Nota de repúdio do NUPEBISC/UFSC
O NUPEBISC – Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina vem a público manifestar repúdio e discordância com a conduta médica de negativa à realização da interrupção legal de gravidez em uma menina de 11 anos, vítima de violência sexual, bem como repúdio à conduta do judiciário e do poder público de Santa Catarina na condução do caso.
De acordo com reportagem especial produzida pelos portais informativos Catarinas e Intercept Brasil, após a descoberta da gravidez, a menina foi encaminhada para o Hospital Polydoro Ernani de São Thiago (HU/EBSERH/UFSC) para realizar o procedimento de aborto legal. Mesmo após a criança e sua família exporem que não desejavam manter a gestação, ao constatar que a gestação atingira 22 semanas, o médico que lhes atendeu se recusou a fazer a interrupção da gravidez, sendo o caso encaminhado ao poder judiciário local para autorização do procedimento. Na instância judiciária, a menor de idade foi encaminhada para uma instituição de acolhimento, sendo afastada de sua mãe e de qualquer rede de apoio, sob a justificativa inicial de preservá-la de novas situações de violência sexual, sendo posteriormente revelado que a intenção era impedir que a família realizasse o aborto. Os vídeos publicados na reportagem mencionada revelam também a violência moral a que a menina foi submetida por parte do poder público por meio da atuação da juíza e da promotora pública.
Trata-se de um caso extremamente dramático com múltiplas violências e constante revitimização – sexual, moral e psicológica, tanto pelo estupro seguido da negação de direito à interrupção da gestação, quanto pelo afastamento forçado da família e a coação para continuidade da gestação por parte de instâncias que deveriam protegê-la. Ressalta-se ainda a jovem corre risco de vida em decorrência da situação, o que apenas se agrava à medida que a gestação evolui.
Segundo o estatuto da criança e do adolescente (ECA), “nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” O aborto no Brasil é permitido e regulamentado pelo Código Penal (1940) e normas técnicas do Ministério da Saúde, sem necessidade de autorização judicial em três situações: violência sexual, risco de morte a pessoa gestante e em gestações de fetos anencéfalos. Importa destacar que a lei brasileira não define um limite de tempo gestacional para a realização do aborto legal, principalmente quando a vida da pessoa gestante apresenta risco de vida.
Dado o cenário exposto, compreendemos o caráter imprescindível de reforçar nosso compromisso com os direitos humanos e sociais, especialmente os infantis e femininos. Nesse sentido, demonstramos explícita contrariedade às decisões do Estado, que por meio de uma instituição de saúde, do poder público e do judiciário, coloca em risco a vida de uma criança. Entendemos a emergente necessidade de se aprofundar o debate ético acerca das questões referentes ao aborto legal e seguro, ao acesso garantido a direitos sexuais e reprodutivos, e apoiamos o acesso irrestrito aos serviços de saúde para pessoas com útero para o acompanhamento ou interrupções de suas gestações.
Florianópolis, 21 de junho de 2022.
X Ciclo de Debates em Bioética
A Sociedade Brasileira de Bioética (Regional SC) com apoio do Nupebisc e o Nesfhis, realizou o X Ciclo de Debates em Bioética, com a temática: “O pano de fundo biopolítico da bioética”. O encontro teve como palestrante principal a professora Anna Quintanas Feixas da Universidade de Girona (Espanha). Também contou com os debatedores Maria Fernanda Vasquez (Colômbia) e Fernando Hellmann (Brasil).
Na palestra “O pano de fundo biopolítico da bioética” a professora Anna Quintanas nos propõe uma interseção entre a bioética global de Potter, a biopolítica e analítica do poder em Michel Foucault e a política do cuidado de Joan Tronto para pensar a maneira em que bioética pode se configurar em um espaço de reflexão democrática que permita entender os conflitos bioéticos alinhados as formas de governo e as relações de poder que se tecem entre os indivíduos. Mas também compreender que o “bios” não se reduz a uma visão etnocêntrica e antropocentrada sinão que deve considerar a vida em suas múltiplas formas de existência e as relações que se estabelecem entre elas. Na sua intervenção a professora faz uma leitura histórica, interseccional e situada e insiste no fato de que a bioética não pode desconsiderar as políticas de administração e gestão da vida, que hoje estão essencialmente vinculadas a uma racionalidade neoliberal.
Anna Quintanas afirma que a bioética predominante costuma a ignorar o fundo biopolítico, correndos-e o risco de “ser acusada de superficialidade, no sentido de ficar na superfície e negar-se a olhar o que há debaixo do tapete”.
Quintanas é clara ao afirmar que o fundo biopolítico da bioética atual que é o neoliberalismo. Que, como disse Michel Foucault, é uma lógica que nos converte em “empresários de nós mesmos”. Um individualismo exacerbado pautado numa suposta liberdade é o pano de funda desta ideologia que acredita em uma meritocracia pura. Podemos pensar, como lembra Anna Quintanas a teoria relacional da liberdade conforme Joan Tronto. Somos sempre seres interdependentes que necessitamos aos demais assim como os demais necessitam de nós mesmo. Somos seres vulneráveis e interdependentes. A concepção de homem autônomo é uma ficção no campo do liberal. A autonomia é sempre relacional.
E neste sentido, como nos recorda a doutora Anna Quintanas, o sentido da bioética potteriana que une uma ética ambiental com uma ética social segue sendo útil atualmente, e, segundo a filósofa está em consonância com as correntes bioéticas que estão tendo lugar na América Latina pois constroem uma “outra bioética” que considere o pano de fundo biopolítico desde a “bioética de proteção”, (Miguel Kottow e Fermin Schramm), até a “bioética da intervenção” (Volnei Garrafa e Dora Porto).
Para assistir o encontro na íntegra acesse nosso canal do youtube aqui.
SBB e entidades de saúde se manifestam contra o crime homofóbico e se solidarizam com Margareth Hernandes (OAB/SC)
Mais uma atrocidade no país que mais mata homossexuais e transexuais no mundo chocou a sociedade brasileira, quando relatos na imprensa, em 31 de maio de 2021, dão conta de que um jovem de 22 anos foi vítima de estupro coletivo e tortura em Florianópolis. Esta relatada violência é, pelo menos, a terceira nos últimos dois meses, de casos que tiveram como vítima pessoas homossexuais, em Santa Catarina.
Violências por misoginia, tais como feminicídios e crimes de violência doméstica, cresceram assustadoramente durante a pandemia, conforme os dados registrados nos boletins das Secretarias de Segurança Pública país afora. Já as violências por homofobia e transfobia, por ausência de dados confiáveis, são mais difíceis de quantificar. Supõe-se, no entanto, que têm aumentado vertiginosamente, à medida que discursos de ódio são propagados e legitimados em diversas instâncias da sociedade, reforçados pela impunidade e pelo silêncio cúmplice de muitos.
A Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) e a Rede Unida repudiam veementemente estas violações aos direitos humanos, conclamando os órgãos responsáveis pela investigação e julgamento de tais crimes à atuação exemplar. Alertam para a necessidade do adequado registro da orientação sexual e do gênero informado pelas vítimas para a formulação de políticas públicas de prevenção e punição, bem como para a correta tipificação dos crimes pelos agentes de segurança e do adjetivo qualificador “homofobia” para homicídios. Todas estas ações são dificultadas em um Estado patriarcal, violento e racista como o Brasil, o que demanda a implicação de todas as pessoas na luta pela dignidade e liberdade humana, especialmente dos cidadãos responsáveis pela gestão do poder público.
Por fim, as entidades signatárias manifestam solidariedade e total apoio ao trabalho da Dra. Margareth Hernandes, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo e Gênero da OAB-SC e coordenadora jurídica adjunta da Aliança Nacional LGBTI – referência nacional no combate a LGBTfobia. A advogada vem sofrendo diversos ataques virtuais e ameaças de morte por ter se manifestado publicamente contra o referido crime, o que é totalmente inaceitável em um país que se pretende democrático e justo.
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – Cebes
Rede Unida
Vacinas, Patentes e o Bem Comum
Em outubro de 2020, a Índia e a África do Sul levaram à Organização Mundial do Comércio um pedido para deixar as patentes de produtos relacionados à Covid-19 abertas. Dos cerca de 160 países membros da entidade, 99 anunciaram o apoio ao projeto. o Brasil votou contra.
Diante do atraso deste debate em nosso país e em pleno contexto de calamidade pública, a Sociedade Brasileira de Bioética Regional de Santa Catarina promoveu seu IX Ciclo de Debates em Bioética, tratando do tema “Vacinas, patentes e o bem comum”. Com a coordenação da Profª Drª Sandra Caponi (UFSC), vice presidenta da regional, recebemos o Dr. Carlos Parada.
Parada é psiquiatra franco-brasileiro, autor de um artigo de opinião no jornal frances Le Monde, no qual defendeu que as vacinas contra Covid-19 sejam consideradas um bem comum e que não sejam aplicadas as regras de patentes em plena pandemia. Sua argumentação sobre a insustentável defesa da propriedade intelectual no atual contexto obteve ampla aceitação e repercussão, sendo notícia também na Folha de São Paulo, em 23 de fevereiro.
O debate contou também com a participação dos seguintes debatedores: Prof. Dr, Bruno Rodolfo Schlemper jr (UNOESC), Prof. Dr. Fernando Hellmann (UFSC) e Dra. Jucélia Maria Guedert (CEP-HIJG). Confira o debate completo no youtube do Nupebisc.
Nota em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das meninas e mulheres e em repúdio à Portaria Nº 2282 do Ministério da Saúde
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Associação Brasileira Rede Unida e Sociedade Brasileira de Bioética repudiam veementemente a Portaria Nº 2.282 de 27 de agosto de 2020 do Ministério da Saúde que cria barreiras adicionais para o acesso ao procedimento do aborto previsto em lei pelas mulheres e meninas vítimas de violência sexual, atingindo sobretudo as usuárias da rede pública de saúde, majoritariamente pobres e negras. O governo obriga médicos e profissionais de saúde a notificarem a autoridade policial casos de pacientes vítimas de crime de estupro. Ao utilizar a expressão “crime de estupro”, a Portaria reduz a violência sexual ao seu aspecto jurídico, deixando em segundo plano a saúde das vítimas.
A responsabilização criminal dos autores de estupro é uma reivindicação antiga e legítima da sociedade brasileira. No entanto, obrigar os profissionais de saúde/serviços de saúde a obter informações de cunho investigatório e notificar o fato à polícia afeta o acesso das mulheres ao direito fundamental à saúde. A portaria descumpre as normativas do SUS e o direito internacional em relação aos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres.
Um iceberg chamado trote universitário: integração, violência e outras ambigüidades na universidade.
Falar sobre trote é sempre abordar um assunto polêmico. Quase que imediatamente as pessoas se dividem em favoráveis ou desfavoráveis. É justamente essa polarização de opiniões que dificulta melhorarmos as práticas de acolhimento e integração aos novos estudantes universitários. Esse vídeo foi criado para te convidar a pensar a respeito do trote. Deixe suas idéias pré-concebidas de lado por uns momentos… tente olhar sob outras perspectivas… conheça um pouquinho sobre sua origem, veja suas diferentes conotações, compreenda as motivações que podem estar por detrás desse fenômeno e reflita sobre suas consequências. Como isso te afeta? O que você poderia fazer a respeito? O que podemos fazer juntos a respeito?
Estas e outras reflexões foram estimuladas na produção de um Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, defendido pela estudante de graduação Manuela Cotrim e orientado pela Prof.ª Dr.ª Mirelle Finkler, membro do NUPEBISC. O trabalho teve como um dos seus produtos finais um material audiovisual, produzido com a colaboração do designer Thiago Bogut.
Confira o vídeo nos links a seguir: versão em portguês, em espanhol e inglês.
Nupebisc apóia carta aberta do Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis: “Medidas necessárias para enfrentamento ao COVID-19 na classificação de Altíssimo risco em Florianópolis – 16/07/2020”
Em defesa da saúde da população de Florianópolis e com o entendimento que as medidas de controle e combate ao coronavírus devem seguir um protocolo definido seguindo evidências científicas e experiências exitosas, o Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis divulga carta aberta demandando que ações sejam tomadas de acordo com a situação de altíssimo risco de transmissão na cidade.
Você pode ler o documento na íntegra aqui:
Carta Aberta CMS COVID-19 altíssimo risco Fpolis. Julho 2020
Nupebisc em parceria com Saúde Coletiva face-à-face realizam diálogo: “Reflexões Bioéticas para dialogar sobre racismo e a Covid-19”, com Prof. Dr. Wanderson Flor do Nascimento.
No dia 08.07.20 o Nupebisc promoveu um importante diálogo sobre racismo e seus efeitos na pandemia de covid-19. Nosso convidado, Prof. Dr. Wanderson Flor do Nascimento é professor de filosofia e bioética na Universidade de Brasilia e pesquisador nas áreas de Filosofia Africana, Bioética e Relações Raciais.
Wanderson trouxe importantes reflexões sobre a formação racial, social e política do Brasil: “Nossa democracia convive bem com a escravidão (…) não é possível pensar em justiça como princípio se a gente vive no racismo!”
Pensar eticamente significa manter o questionamento sobre o que está naturalizado. “A bioética só consegue desnaturalizar as questões que percebe como problemáticas… precisa ampliar suas ferramentas para enfrentar o racismo, assumindo a posição de que raça/cor devem ser tomadas como categoria de análise.”
O diálogo está disponível nesse link.
Nupebisc realiza diálogo com o Prof. Dr. Dilvo Ristoff sobre Ética na Educação, políticas públicas e democracia!
Na quarta-feira, dia 24/06/2020, o encontro virtual do NUPEBISC foi de formação com a participação especial do Prof. Dr. Dilvo Ristoff, ex-reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul. O Prof. Dilvo fez uma explanação sobre os “Desafios da Educação Superior”, de acordo com o professor estamos diante de diversas crises, financeira, de expansão, de inclusão, de regulação e privatização, de metas, sistêmica entre os níveis de poder e de sonho adiado: “Toda educação brota da imagem de futuro de um povo (…) mas a luta democracia na Universidade continua, no acesso a ela e na sua gestão” (Dilvo Ristoff). A crise do sonho adiado passa pela disputa de poderes hoje entre dois projetos de educação em contraste: o projeto construído democraticamente pelo Estado e materializado nas metas do Plano Nacional de Educação e o projeto de governo atual materializado no Future-se, ‘que mais parece um futuro sendo sufocado pelo passado travestido de futuro’. O diálogo na íntegra pode ser assistido pelo canal de youtube do Nupebisc, acesse aqui.
Para conhecer mais do trabalho do professor Dilvo Ristoff acesse também seu último artigo publicado na Revista Educa2022, acesso aqui. Participe também dos encontros do NUPEBISC, todas as quartas-feiras, acessando nossa agenda aqui no site!