Nota de repúdio do NUPEBISC/UFSC

21/06/2022 19:45

O NUPEBISC – Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina vem a público manifestar repúdio e discordância com a conduta médica de negativa à realização da interrupção legal de gravidez em uma menina de 11 anos, vítima de violência sexual, bem como repúdio à conduta do judiciário e do poder público de Santa Catarina na condução do caso.

De acordo com reportagem especial produzida pelos portais informativos Catarinas e Intercept Brasil, após a descoberta da gravidez, a menina foi encaminhada para o Hospital Polydoro Ernani de São Thiago (HU/EBSERH/UFSC) para realizar o procedimento de aborto legal. Mesmo após a criança e sua família exporem que não desejavam manter a gestação, ao constatar que a gestação atingira 22 semanas, o médico que lhes atendeu se recusou a fazer a interrupção da gravidez, sendo o caso encaminhado ao poder judiciário local para autorização do procedimento. Na instância judiciária, a menor de idade foi encaminhada para uma instituição de acolhimento, sendo afastada de sua mãe e de qualquer rede de apoio, sob a justificativa inicial de preservá-la de novas situações de violência sexual, sendo posteriormente revelado que a intenção era impedir que a família realizasse o aborto. Os vídeos publicados na reportagem mencionada revelam também a violência moral a que a menina foi submetida por parte do poder público por meio da atuação da juíza e da promotora pública.

Trata-se de um caso extremamente dramático com múltiplas violências e constante revitimização – sexual, moral e psicológica, tanto pelo estupro seguido da negação de direito à interrupção da gestação, quanto pelo afastamento forçado da família e a coação para continuidade da gestação por parte de instâncias que deveriam protegê-la. Ressalta-se ainda a jovem corre risco de vida em decorrência da situação, o que apenas se agrava à medida que a gestação evolui.

Segundo o estatuto da criança e do adolescente (ECA), “nenhuma criança ou adolescente pode ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.” O aborto no Brasil é permitido e regulamentado pelo Código Penal (1940) e normas técnicas do Ministério da Saúde, sem necessidade de autorização judicial em três situações: violência sexual, risco de morte a pessoa gestante e em gestações de fetos anencéfalos. Importa destacar que a lei brasileira não define um limite de tempo gestacional para a realização do aborto legal, principalmente quando a vida da pessoa gestante apresenta risco de vida.

Dado o cenário exposto, compreendemos o caráter imprescindível de reforçar nosso compromisso com os direitos humanos e sociais, especialmente os infantis e femininos. Nesse sentido, demonstramos explícita contrariedade às decisões do Estado, que por meio de uma instituição de saúde, do poder público e do judiciário, coloca em risco a vida de uma criança. Entendemos a emergente necessidade de se aprofundar o debate ético acerca das questões referentes ao aborto legal e seguro, ao acesso garantido a direitos sexuais e reprodutivos, e apoiamos o acesso irrestrito aos serviços de saúde para pessoas com útero para o acompanhamento ou interrupções de suas gestações.

Florianópolis, 21 de junho de 2022.